terça-feira, 26 de dezembro de 2006

Uma Parábola

Certa vez, disse o Buddha uma parábola:

Um homem viajando em um campo encontrou um tigre. Ele correu, o tigre em seu encalço. Aproximando-se de um precipício, tomou as raízes expostas de uma vinha selvagem em suas mãos e pendurou-se precipitadamente abaixo, na beira do abismo. O tigre o farejava acima. Tremendo, o homem olhou para baixo e viu, no fundo do precipício, outro tigre a esperá-lo. Apenas a vinha o sustinha.

Mas ao olhar para a planta, viu dois ratos, um negro e outro branco, roendo aos poucos sua raiz. Neste momento seus olhos perceberam um belo morango vicejando perto. Segurando a vinha com uma mão, ele pegou o morango com a outra e o comeu.

"Que delícia!", ele disse.

sábado, 16 de dezembro de 2006

A Pedrinha no Bambu

Hsiang-yen foi discípulo de Pai-chang. Era uma pessoa muito inteligente, e sempre confiou na presunção de que se estudasse e absorvesse todo o conhecimento dos termos e textos buddhistas, seria um entendedor do Zen. Após a morte de seu mestre, ele dirigiu-se a Kuei-shan - que era o mais antigo discípulo de Pai-chang - para que este lhe orientasse. Mas Kuei-shan comentou:

"Soube que estiveste sob a orientação de meu antigo mestre e falaram-me de tua notável inteligência. Tentar compreender o buddhismo através deste meio leva geralmente a uma compreensão analítica, que em si nada tem de útil, mas que pode indiretamente levar o praticante a uma intuição do sentido Zen. Por isso, eu lhe pergunto: como tu eras antes de teus pais terem lhe concebido?"

Hsiang-yen ficou pasmo, sem saber o que dizer. Pediu licença e foi para seu quarto, e procurou em todos os textos e conceitos uma resposta para a estranha questão. Não foi capaz, e voltou ao outro monge. Pediu-lhe para ensinar sobre o sentido do que quis dizer, e Kuei-shan perguntou:

"Sinto muito, mas nada tenho a lhe dar. Tu sabes mais do que eu, e se nós debatêssemos com certeza eu ficaria em dificuldades. Tudo o que eu lhe pudesse dizer pertence às minhas descobertas pessoais e jamais poderia ser teu."

Hsiang-yen ficou desapontado e achou que o monge mais velho lhe estava escondendo algo deliberadamente. Resolveu partir do templo, e buscar o conhecimento através dos livros e conceitos, pois achava que na verdade o seu conhecimento não era suficiente, e por isso o outro não quis lhe responder. Foi morar em um eremitério e passou a estudar com afinco. Após vários anos, achando-se suficientemente conhecedor dos conceitos buddhistas, voltou a Kuei-shan. Este, quando ouviu suas doutas explicações e sua solicitação por orientação, apenas sorriu e nada disse. Virou-se e foi embora.

Hsiang-yen ficou irritadíssimo. Naquele momento tomou uma decisão, destruiu todos os seus textos e resolveu desistir dos estudos, ainda que já fosse um grande intelectual. Ele pensou: "Qual a utilidade de estudar o buddhismo, se este é tão sutil e se é tão difícil receber instruções de outrem? Serei agora um simples monge praticante, e desisto de entender qualquer coisa!"

Abandonou o templo e suas cercanias, construiu uma cabana próxima à sepultura de Chu, o Mestre Nacional de Nan-yang, e passou a viver uma vida simples longe dos estudos e questões.

Certo dia, estava varrendo o chão de sua casa quando a vassoura tocou numa pedrinha, que rolou e bateu em um bambu. Em meio ao silêncio, o som ecoou suavemente. Ao ouvir este som, Hsiang-yen experimentou o Satori, e finalmente compreendeu o que tinha lhe dito Kuei-shan. Ele então ajoelhou-se e silenciosamente fez uma reverência de agradecimento ao sábio monge.

terça-feira, 12 de dezembro de 2006

O Médico e o Zen

Kenso Kusuda, diretor de um hospital em Nihonbashi, Tóquio, recebeu um dia a visita de um velho amigo, também médico, que não via há sete anos.

"Como vai?", perguntou Kusuda.

"Deixei a medicina", respondeu o amigo.

"Ah, sim?"

"Na verdade, agora eu pratico o Zen."

"E o que é o Zen?"-- quis saber Kusuda.

"É difícil explicar..." -- hesitou o amigo.

"E como é possível entendê-lo, então?"

"Bem, deve-se praticá-lo."

"E como faço isso?"

"Em Koishikawa, há uma sala de meditação dirigida pelo Mestre Nan-In. Se quiser experimentar, vá até lá."

No dia seguinte Kusuda dirigiu-se à sala de meditação do Mestre Nan-In. Ao chegar, gritou:

"Com licença!"

"Quem é?" responderam lá de dentro. Um velho de aspecto miserável, que se aquecia junto a um fogareiro próximo ao vestíbulo, dirigiu-se a ele. Kusuda entregou-lhe seu cartão e o velho, após dar uma olhada, disse sorrindo:

"Olá!!! Faz tempo que o senhor não aparece!"

"Mas... é a primeira vez que venho aqui!" - disse Kusuda, surpreso.

"Ah, sim? É a primeira vez? Como está escrito 'Diretor de hospital', pensei que fosse o Sasaki. O que o senhor deseja?"

"Quero falar com o Mestre Nan-in."

"Já está falando com ele!" disse o velho, abrindo um largo sorriso.

"Então o Mestre Nan-in é o senhor?", disse Kusuda meio desconfiado. Esperava alguém mais "venerável".

"Eu mesmo", respondeu o velho, sem dar mostras de resolver a mandar seu visitante entrar. Já meio desanimado e um tanto desdenhoso, Kusuda decidiu falar ali mesmo, de pé, no vestíbulo:

"Eu gostaria que o senhor me ensinasse a praticar o Zen."

O velho olhou para ele e disse:

"Praticar o Zen? O senhor é um médico não? Deve então tratar bem de seus doentes e se esforçar para o bem de sua família, o Zen é isso. Agora, pode ir embora."

Kusuda voltou para casa, sem entender nada. Intrigado com as palavras de Nan-In, três dias depois resolveu visitar novamente o velho Mestre. Nan-In atendeu-o novamente no Vestíbulo.

"Novamente o senhor aqui? O que deseja?"

"Insisto para que o senhor me ensine a praticar o Zen!" - disse Kusuda petulantemente.

"Ora, nada tenho a acrescentar ao que já disse outro dia. Vá embora e seja um bom médico". E fechou a porta.

Dois ou três dias depois, Kusuda novamente voltou a ver o Mestre, pois absolutamente não conseguira entender suas palavras.

"Outra vez aqui?"

"Eu vim porque não consegui entender suas palavras, por mais que pensasse sobre elas."

"Pensando nas palavras é que o senhor não vai entender coisa nenhuma mesmo!" - disse o velho monge.

"Então o que eu devo fazer?" - disse Kusuda, já quase desesperado.

"Procure perceber por si, ora essa! Agora, vá embora."

Mas Kusuda desta vez zangou-se muito e respondeu:

"Por três vezes, embora tenha muitos afazeres, larguei tudo e vim até aqui pedir-lhe para me ensinar o Zen e sempre o senhor me manda embora sem me dar o mínimo esclarecimento! Que espécie de mestre é o senhor, afinal!?!"

"Ah! Finalmente ele zangou-se!", exclamou o Mestre.

"Mas é EVIDENTE!", desabafou o médico.

"Então agora chega de palavreado e seja educado! Faça-me uma saudação."

Encarando fixamente o velho monge, Kusuda reprimiu sua vontade de dar-lhe um soco na cara e inclinou-se em reverência. O Mestre então conduziu-o à sala de meditação e o ensinou a praticar zazen.

Anos depois, Kusuda finalmente entendeu porque o Zen também é cuidar bem dos doentes e esforçar-se para o bem de sua família.

sábado, 2 de dezembro de 2006

Transitoriedade

Certa vez, uma pequena onda do oceano percebeu que ela não era igual às outras ondas e disse:

"Como sofro! Sou pequena, e vejo tantas ondas maiores e poderosas do que eu! Sou na verdade desprezível e feia, sem força e inútil..."

Mas outra onda do oceano lhe disse:

"Tu sofres porque não percebes a transitoriedade das formas, e não enxergas tua natureza original. Anseias egoísticamente por aquilo que não és, e mergulhas em auto-piedade!"

"Mas," replicou a pequena onda,"se não sou realmente uma pequena onda, o que sou?"

"Ser onda é temporário e relativo. Não és onda, és água!"

"Água? E o que é água?"

"Usar palavras para descrevê-la não vai levar-te à compreensão. Contemples a transitoriedade à tua volta, tenhas coragem de reconhecer esta transitoriedade em ti mesma. Tua essência é água, e quando finalmente vivenciares isso, deixarás de sofrer com tua egóica insatisfação..."